Brasil deve ter política para gerenciar riscos climáticos – e os seguros podem ajudar
Transferência dos riscos climáticos para mercado segurador e ressegurador infelizmente ainda não é realidade no Brasil
A primeira coisa que a maioria dos americanos, japoneses e europeus fazem quando acordam é ouvir a previsão do tempo. Não é à toa. As perdas geradas pelos vários problemas decorrentes de desastres naturais são imensas e governos, empresas e população em geral já aprenderam a gerenciar o risco de várias formas. Desde exigir políticas sociais que mitiguem os riscos das intempéries do clima até contratar um seguro para restabelecer a normalidade do caos pós-tragédia.
As perdas globais seguradas por catástrofes naturais atingiram US$ 50 bilhões no primeiro semestre de 2023, o segundo maior valor desde 2011. No segundo semestre, até o início de novembro, os executivos de seguros respiravam aliviados com a temporada de furacões mais fraca nos Estados Unidos.
A Verisk, líder global de análise de dados e tecnologia, estima que as perdas seguradas pela indústria em propriedades provavelmente ficarão entre US$ 3 bilhões e US$ 6 bilhões, sendo a maior parte da perda atribuível ao vento.
O Brasil, livre de furacões e tsunamis, sofre com fenômenos como seca, enchentes e ondas de calor. O setor de agronegócios sofre com mais intensidade. Mas a população em geral tem enfrentado situações extremas. Somente neste ano, vimos várias tragédias, como no litoral Norte de São Paulo, em fevereiro deste ano, e nas cidades do Sul do país, totalmente alagadas em setembro. Mais recentemente, ventos deixaram uma parte da população de São Paulo, a maior cidade do Brasil, sem energia por até cinco dias.
Os ventos superiores a 100 km/h durante o temporal do dia 3 de novembro foram os maiores já registrados pelo Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) da Prefeitura de São Paulo desde 1995, quando esses dados começaram a ser computados na capital. No dia seguinte, aconteceu um triste levantamento. A força dos ventos derrubou centenas de árvores, afetando a rede elétrica. Cerca de 1 milhão de endereços ficaram sem luz em São Paulo, de um total de 1,4 milhão de atingidos na capital.
São muitas as ações que podem ser tomadas, como relata matéria da Folha de S. Paulo. Em outra matéria, o mesmo jornal traz entrevista sobre a urgência do debate: “É inescapável: mais cedo ou mais tarde, todos os jornalistas cobrirão a crise do clima, diz Kyle Pope, editor-executivo e publisher do Columbia Journalism Review (CJR), a mais respeitada publicação do mundo sobre jornalismo. O próprio Pope está deixando o CJR para se dedicar em tempo integral a um coletivo chamado Covering Climate Now, que se propõe a treinar jornalistas ao redor do mundo para cobrir as causas e consequências do aquecimento global”.
Concordamos. É preciso falar sobre mudanças climáticas.
Esta coluna conversou com Bruna Timbó, head de energia da corretora de seguros e de resseguros Gallagher Brasil, para trazer um olhar mais detalhado sobre o tema para entender como o mercado de seguros pode ajudar mais a sociedade. “Infelizmente a transferência dos riscos climáticos para o mercado segurador e ressegurador ainda não é uma medida tomada no Brasil. Porém, seguimos acreditando que o Estado conseguirá vislumbrar essa solução em médio prazo”, afirma. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Há seguro que proteja estabelecimentos comerciais, industriais e residências das perdas com o apagão?
Atualmente, somente os seguros individualmente contratados por estabelecimento ou residência têm o condão de proteger o consumidor contra esse tipo de evento e, mesmo assim, não contra o apagão em si, mas contra as suas consequências como, por exemplo, equipamentos danificados em virtude da queda de energia ou mesmo lucros cessantes decorrentes deste evento. Lembrando que, independentemente da existência e/ou utilização desses seguros individuais, permanece a responsabilidade da concessionária de serviços públicos de indenizar o cidadão em todos os seus prejuízos.
Os riscos são enormes, desde uma caldeira de uma usina explodir na retomada da energia até os remédios que precisam ser refrigerados perdidos nas residências da população das mais diversas classes sociais. Como atua o setor de seguros com perdas atreladas a eventos da natureza?
Os eventos da natureza sempre foram objeto de análise crítica, tanto pelo mercado segurador como ressegurador e, até algum tempo atrás, o Brasil tinha a sorte de ser um lugar pouco atingido por eventos extremos, o que resguardava minimamente as nossas taxas para as coberturas de seguro contratadas para a cobertura destes riscos e mesmo o apetite desses mercados. Com a intensificação das mudanças climáticas passamos a perceber que não estamos mais a salvo – alagamentos e inundações, secas, ciclones, dentre outros, são eventos que já ocorrem ordinariamente no nosso país.
E agora, como fica? O preço do seguro vai aumentar, teremos franquias elevadas ou até mesmo a negativa da seguradora para os riscos?
O mercado segurador e ressegurador sempre acompanhou os nossos riscos apresentando, para a maioria das atividades, capacidade para todas as linhas de negócio. Porém, com o endurecimento do mercado global (hard market) agregado às perdas decorrentes dos eventos da natureza, tanto no mercado global como nacional, vimos cair o apetite de risco, as capacidades aportadas e, em paralelo, vemos um agravo nas taxas especialmente dos seguros de propriedade. Seguros de riscos operacionais para determinadas atividades em determinados locais se tornaram a exceção, com uma colocação árdua que envolve taxas e franquias muito elevadas. Os mapas de catástrofes naturais disponibilizados por sites específicos estão sendo cada vez mais utilizados e viram justificativa para a não aceitação do risco ou o agravamento dos termos e condições.
Isso atinge a todos?
Por outro lado, e talvez justamente por conta deste enrijecimento do mercado, vemos consumidores (ainda em pouca frequência, infelizmente) se profissionalizando quando o assunto é seguro, investindo em medidas de proteção e mudando o mindset para uma compreensão de que a indústria securitária é uma indústria de parceria entre os players. É preciso compreender que o seguro é uma indústria de colaboração e que um risco bem analisado (o que só é possível com a ajuda indispensável do segurado) com uma apólice de seguros bem subscrita, bem dimensionada e estruturada tem como consequência uma garantia efetiva tanto do segurador quanto do ressegurador. A tendência é que permaneçamos num mercado de taxas, termos e condições mais agravados. Inclusive um estudo elaborado pela Gallagher Re UK publicado em janeiro de 2023, nos mostra alguns percentuais de tendência de agravo referindo a percentuais de até 45% de aumento de taxa para riscos relativos às catástrofes naturais.
Qual a saída para uma situação como essa?
Várias saídas paralelas podem ser pensadas para o enfrentamento de sinistros causados por eventos climáticos. Primeiramente, seria interessante fomentar o aumento do percentual de contratação de seguros, no geral, pelo mercado consumidor brasileiro, transferindo o risco dos eventos climáticos para as seguradoras e resseguradoras. Aumentando a base do mutualismo, teremos um mercado de seguros mais saudável e iniciaremos um ciclo positivo, mesmo que mais sinistros sejam cobertos e pagos.
E o Estado?
É impensável imaginar uma solução para catástrofes naturais que não envolva o Estado. Uma segunda saída seria o incremento de políticas públicas de seguros e gestão de riscos em setores essenciais, como é o caso da energia elétrica, por exemplo. Seria interessante que o Estado passasse a exigir a implementação de procedimentos de gestão de risco, com parâmetros mínimos já considerando cenários de catástrofe previamente estabelecidos, aplicando as penalidades adequadas em caso de descumprimento. Isso certamente reduziria bastante as chances de um evento climático causar um determinado prejuízo ou que tal prejuízo fosse sanado e o serviço essencial fosse reestabelecido contendo os danos.
Também temos a responsabilidade das concessionárias…
Seria interessante que o Estado determinasse a contratação, pelas concessionárias de serviços públicos, de seguros obrigatórios que tivessem como objetivo indenizar pequenos e médios prejuízos ocorridos com os consumidores destes serviços mirando, obviamente, um evento catastrófico, caracterizando a severidade do sinistro e eliminando a frequência, com gatilhos específicos e previamente determinados. Desta forma, a responsabilidade das concessionárias de serviços públicos, ainda que subsistisse, seria dividida com o mercado segurador, tornando mais fácil o reestabelecimento do patrimônio do consumidor afetado.
Acha que o Brasil já tem espaço para os bônus de catástrofes negociados por países com perdas elevadas?
Seria esta uma outra saída, ainda em termos de política pública, já que estamos falando de eventos climáticos e suas consequências sobre uma grande quantidade de pessoas. A utilização do mercado de seguros e mercado financeiro para a criação, no Brasil, das chamadas Catastrophe (Cat) Bonds. Os títulos desta natureza são aqueles que remuneram os emissores quando um risco de catástrofe predefinido se concretiza, transformando um evento catastrófico em uma oportunidade de obtenção de retorno atraente junto ao mercado financeiro. As primeiras bonds deste tipo foram emitidas nos Estados Unidos em 1997 após as consequências do furacão Andrew e até hoje são um importante mercado que, além de gerar retorno de alto valor, viabiliza a socialização dos prejuízos.
Também é preciso uma política pública endereçada as mudanças climáticas, não acha?
Por fim, uma outra possibilidade seria o Estado criar, como parte de uma política pública que naturalmente envolveria outras medidas, a obrigação de contratação de um seguro paramétrico – no nível de prefeitura – para os locais com a maior possibilidade de ocorrência de eventos climáticos. Este seguro teria parâmetros pré-estabelecidos, fruto de uma consultoria especializada contratada previamente e que definiria não apenas os contornos do seguro a ser contratado, mas também as bases da indenização a ser recebida considerando o histórico de perdas daquele município para os riscos e eventos decorrentes de catástrofes climáticas. Desta forma, ao menos para fins de emergência, a indenização do seguro (tradicionalmente paga de forma rápida para este tipo de produto) serviria para mitigar os danos e as perdas sofridas pela população e pelo patrimônio público. Infelizmente, a transferência dos riscos climáticos, no nível de sociedade, para o mercado segurador e ressegurador ainda não é uma medida tomada no Brasil, porém seguimos acreditando que o Estado conseguirá vislumbrar essa solução em médio prazo.
Fonte: InfoMoney